Marina Colasanti (escritora)
“Não leio para me
distrair, leio por paixão, para saber, para aprender, para melhorar.”
Deslizei para dentro dos livros
Não tenho uma primeira lembrança, a
emoção de um primeiro livro. Talvez porque sempre houve livros ao meu redor. Antes
que eu soubesse ler, liam para mim. Ninguém nunca me contou contos, eles eram
lidos. Desse modo, a presença física do livro está plantada no início da minha
memória. E deslizei para dentro dos livros, como leitora, tão naturalmente, que
nem me dei conta. O que recebi primeiro, das leituras que faziam para mim e,
depois, dos primeiros livros, foram os contos de fadas clássicos.
Todas as histórias lidas fazem parte de mim
Centenas e centenas e centenas de
histórias fazem parte de mim. Todas as lidas na infância e na juventude, com
emoção e entrega. E mesmo depois, histórias inteiras ou fragmentos de histórias
se abrigaram na minha memória, parte definitiva do meu butim de leitora. Venho
lendo desde sempre, sem interrupção, há muitíssimos anos. A partir da
maturidade passei a ler vários livros ao mesmo tempo. Impossível listar todas
essas histórias, ou sequer as mais importantes.
Autores? Vários...
Os autores entraram por fornadas na
minha vida. Fornadas de paixão, fornadas de oportunidade. Os contos de fadas,
primeiro. Depois os clássicos adaptados (Ilíada, Odisseia, D. Quixote, Poe, Sir
Walter Scott, os Mitos gregos, etc.). Seguiram-se os livros de capa e espada,
muito Alexandre Dumas. Muitíssimos livros do italiano Emilio Salgari. Mark
Twain. Todo Julio Verne. Swift. Defoe. Aí chega a adolescência. Dostoyevski foi
um deslumbramento. E Tchecov, e Tolstoi. Depois descobri os americanos,
Steinbeck, Hemingway, Dos Passos, Huxley, Fitzgerald. Cheguei à poesia, Aldo
Palazzeschi primeiro, depois Cesare Pavese, Paul Eluard foi e é uma paixão,
Bandeira e Drummond, Lorca. Encontrei o prosador francês Jean Giono, li um
monte de livros dele, descobri a literatura japonesa. E fui em frente na idade adulta, alternando
de forma mezzo aleatória/ mezzo caótica, autores de diversos
países, prosa e poesia, modernidade e passado. É impossível conseguir a
completude dessa lista, não cabe na memória. E nunca poderia dá-la como
terminada, uma vez que minha formação como leitora ainda está em curso, e se expande
a cada novo livro que leio. Não leio para me distrair, leio por paixão, para
saber, para aprender, para melhorar. No dia em que a leitura não estiver mais
me formando, paro de ler.
Escola e leitura
Sou de outra escola, pelo menos no
que diz respeito àquilo que chamávamos escola primária. Fiz o primário na
Itália. E, nesse nível, a formação leitora não era tarefa da escola. Quem se
encarregava disso era a família.
“A leitura não é a chave mágica para o acerto ou o sucesso.”
A leitura não é a mesma para todos os
leitores. E sua atuação é diferente sobre cada leitor. Sobretudo, a leitura não
é a chave mágica para o acerto ou o sucesso.
Muitos leitores leem apenas para se
distrair, outros só se interessam por livros técnicos. Isso não vai mudar seu modo de vida. A grande
maioria dos livros que se publicam nada têm de enriquecedor.
A leitura de literatura, e isso é
comprovado, é auxiliar poderoso no auto-conhecimento. E quem melhor se conhece
está mais capacitado para fazer boas escolhas.
O efeito da leitura depende de uma
conjunção: quem lê, o que lê, e como lê.
A leitura como é vista hoje em dia é
fruto de um avanço progressivo e lento, movido pelas novas exigências sociais, pela
chegada de novos suportes, pela necessidade – e o desejo social- de
democratização da leitura.
O que recomendo?
Qualquer recomendação deve estar
ligada à consciência de que cada indivíduo só pode ler, de fato, aquilo de que
gosta. Por “ler de fato”, quero dizer: ler penetrando e sendo penetrado pelo
texto.
Desrecomendar me parece autoritário.
Eu, pessoalmente, não leio auto-ajuda, ficção histórica, livros de ação e
policiais. Mas é uma questão de interesse
pessoal, de projeto leitor (sim, um bom leitor tem um projeto de leitura). Leio
com mais frequência ficção , ensaio, poesia . E jornal.
Personagens marcantes
Na infância, os dos contos de fadas.
E Pinóquio, que viria a traduzir para o
português. Na vida adulta, muitíssimas, entre elas, Raskolnicoff, de Crime e
Castigo. Gregory Samsa, de A Metamorfose. Giovanni Drogo, de O Deserto dos
Tártaros. Neles estão contidas a grandeza e a fraqueza da alma humana.
Sobre a importância do ato de ler.
Elas estão contidas, e mais amplamente do que
poderiam estar aqui, no meu livro “Fragatas Para Terras Distantes”.