SERGIO CABRAL

SERGIO CABRAL

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Bia Bedran

“Tenho certeza do poder do diálogo do pensamento que a leitura proporciona. Nada é o que é, tudo pode vir a ser...”



Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato; os romances da Condessa de Séguir; Os doze trabalhos de Hércules, de Monteiro Lobato, fazem parte das minhas primeiras lembranças de leitura.
Ficaram na minha vida algumas grandes histórias, por exemplo, o romance entre Riobaldo e Diadorim, em Grande sertão – veredas ; As aventuras e desventuras de Dom Quixote; Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado;  o romance contemporâneo  Canteiros de Saturno, de Ana Maria Machado; A cidadela, de Cronin; A Crônica da casa assassinada, de Lucio Cardoso.
Sobre os autores? Então, nosso Guimarães Rosa; Machado de Assis; Ana Maria Machado; Ruth Rocha; Ziraldo; Monteiro Lobato; Andersen; Os Irmãos Grimm; Câmara Cascudo, Cecília Meireles...
Penso que minha passagem pela escola foi bem importante. Eu era uma leitora voraz, tinha prazer em ler, escrever, participar dos concursos de redação que logo na escola primária me estimularam a escrever mais e mais. Quanto mais eu me arriscava na escrita mais eu lia e vice-versa. Acho que é assim o processo criativo: ele se alimenta do próprio alimento do exercício da criação.
A leitura é capaz de influenciar nas escolhas, no caminho que se vai seguir, que se vai viver, tenho certeza do poder do diálogo do pensamento que a leitura proporciona. Nada é o que é, tudo pode vir a ser, o encontro da perspectiva do outro, o entendimento das diferenças e, principalmente, a possibilidade da transformação, enfim , da ampliação dos horizontes, tudo isso vem com a leitura. Esta experiência nos ajuda a enxergar a nós mesmos, nos fornece um espelho com o qual podemos, ou não, nos mirar.
Atualmente leio romances... estou encantada pela obra de Milton Hatoum: Dois irmãos; Cinzas do norte; Órfãos do Eldorado. Também adoro a obra da autora americana Lionel Shriver: O mundo pós-aniversário e Precisamos falar sobre kevin.
Na minha trajetória de leitora, tenho marcadas algumas ideias, palavras e expressões, me ocorre, agora, citar o final de um poema que está no livro Arte–Educação: da pré-escola à universidade”, organizado por Luis Camargo, que é assim: “Os pássaros da inspiração só pousam nas mãos de quem os alimenta.”
Personagens também ficam, marcam, se fortalecem... por exemplo, Riobaldo, de Guimarães. Ele me impressiona demais pelo linguajar sertanejo inventado pelo autor, misturado com um verdadeiro tratado de filosofia que ele profere naquelas 700 páginas apaixonantes.

Acho que ler é simplesmente bom. Uma maravilhosa companhia. Com sua “algazarra silenciosa” (expressão criada por Ana Maria Machado) provocada em nosso cérebro, o ato de ler nos emociona e nos transforma a cada momento. Meu novo livro infantil, o décimo quinto, chama-se  O mundo dos livros... precisa dizer mais alguma coisa sobre minha paixão por leitura?

http://biabedran.com.br/

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Um leitor, graças às influências - Nilo Cabral



 
 
Iniciei minhas leituras, já em idade um tanto avançada. Uma das mais antigas imagens traz o meu pai lendo jornais e livros que só vim a entender com mais idade. O sustento aos quatro filhos atrasou possíveis deleites literários. As motivação mais significativa foram enciclopédias que, embora menores em relevância intelectual, estimularam e estimulam, ainda hoje, a busca por textos mais complexos e originais. Das leituras mais marcantes de infância, recordo os contos infantis, selecionados pela enciclopédia “O Mundo da Criança”: não tenho certeza se foram as primeiras leituras, mas a experiência fantasiosa, como a de João Felpudo, de Heinrich Hoffmann e a história do Pinheirinho de Natal, de Cristian Andersen, legaram algo importante: embora singelas, permitiram o exercício de concentração a textos mais encorpados. 
As leituras mais longas e complexas ocorrem bem mais tarde, antes acompanhava algumas crônicas em jornais, sugeridas pela influência paterna e alguns cadernos publicados por jornalistas. As obras significativas vieram entre o fim da adolescência e início da idade adulta, influenciado quer pelos professores de um curso pré-vestibular de Porto Alegre, quer por uma paixão, sim, paixões também transformam intelectualmente as nossas vidas. Diante de novos desafios (conceitos, estruturas frasais, e palavras), tive que recorrer a dicionários e a mestres capazes de me trazer luz aquela densidade. Fui acumulando, assim, dicionários de filosofia, de sociologia, textos de iniciação à interpretação de texto, de língua portuguesa, bem como uma série de obras (e mestres) que me proporcionaram um alívio nesta caminhada. Embora tardia, a experiência consolidou não um perfil intelectual, mas, sim, um admirador pela palavra, pelo texto, pelas surpresas que a poesia ou a prosa podem trazer ao imaginário e à compreensão de mundo.
Neste mundo das letras, vários livros marcaram a minha formação, na poesia, Fernando Pessoa e Carlos Drummond de Andrade e um pouco de Mário Quintana. Tive a sorte de ser instigado por um mestre da faculdade, logo no primeiro semestre, que propunha leituras mensais. Vim a conhecer neste momento alguns autores gaúchos, como Moacir Scliar, Josué Guimarães, Érico Veríssimo. Os mais marcantes? Difícil apontar, alguns conquistaram-me pelo argumento, outros pela estrutura textual. Algumas das mais incríveis experiências foram os contos infantis, de Andersen, a obra Espártacus de Howard Fast, o livro 1984 de George Orwell, Cem Anos de Solidão de Gabriel Garcia Marquez, A Caverna e Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago, entre umas tantas outras que me desafiaram tanto o imaginário, quanto a descoberta de um caminho novo para a minha formação. E quanto a personagens, bem, outra dificuldade é encontrar, entre tantos, os mais destacados. Tentarei citar alguns, os mais imediatamente marcantes. Lady Clark Milady é uma personagem fantástica, isto porque o autor construiu um perfil que agrega beleza e maldade, capazes de causar as mais terríveis consequências. Um outro destaque é igualmente uma personagem feminina, Catarina, do Romance A Ferro e Fogo, a coragem mesclada à sensibilidade marcaram-me profundamente. Há outros personagens, entre os quais Doran Gray, de Oscar Wilde, que oferece ao leitor (da época do romance) um desafio à moralidade, e hoje ainda uma crítica às várias expectativas de uma sociedade hipócrita.
 (Nilo Cabral é jornalista)

terça-feira, 28 de abril de 2015

“O livro existe através do leitor. É o leitor que empresta significado ao livro. Que seria do autor sem o leitor?” Tania Dauster



A minha primeira lembrança de leitura está ligada às letras recortadas de jornais e coladas em papéis que uma tia professora me apresentava para ensinar-me a ler. Ela partia do alfabeto para construir as palavras. Isto se passou no final dos anos 40.

Minha família sempre teve intimidade com palavras e livros. O avô por parte de mãe era jornalista e nas primeiras décadas do século XX criou um jornal de pequena circulação chamado "O Suburbano". Suas três filhas estudaram na Escola Normal, o Instituto de Educação, que na época era uma das melhores escolas do Rio de Janeiro. Posteriormente, minha mãe, Josefa Magalhães e Silva, foi professora catedrática de Filosofia da Educação na época áurea do Instituto de Educação, entre os anos 40, 50 e 60 do século XX. Meu pai, José Dauster, médico e clínico geral, por prazer, traduzia contos do francês. Não por acaso, meu irmão Jorio Dauster, embaixador de carreira, é tradutor de grandes autores entre os quais Vladimir Nabokov, Ian McEwan e Phlip Roth. Uma das minhas irmãs, Bluma, escreveu um romance. Bruno, meu irmão, está escrevendo suas memórias relativas aos anos de chumbo. Todos os irmãos e meus filhos, José, Bruno, Barbara e Tatiana são grandes leitores. Barbara, minha filha, está exercendo-se nos caminhos da tradução e a nora, Lourdes, é professora nesta área e tradutora. Então, no começo desta história vejo meu pai e tenho forte lembrança das coleções da Editora Globo, de Porto Alegre, que acredito fez um trabalho pioneiro na área de tradução e publicação nos anos 40 no Brasil, história que deveria ser contada.

Tive na infância e juventude uma casa povoada por livros e leitores. Assim, eu e meu marido, Pedro Garcia, poeta, antropólogo e professor universitário, continuamos com livros por todos os lados.

Da primeira fase, lembro-me das coletâneas publicadas pela Editora Globo contendo e divulgando os melhores contos de diferentes culturas: russos, franceses etc. Recordo-me ainda de toda a coleção dos romances de Dostoievski, Tolstoi, Stendhal, Flaubert, Zola, Balzac, Conrad, Faulkner, Steinbeck, Hemingway, Eça de Queiroz, Machado de Assis, Veríssimo, Clarice Lispector, Cecília Meirelles...ao alcance dos filhos. Minha mãe, em especial, amava os poetas brasileiros e portugueses. Lá encontrava os livros de Fernando Pessoa e Florbela Espanca. Dela, a família tem a primeira versão de um romance não publicado.

Ainda criança li "As quatro raparigas", de Louise May Alcott e todos os romances da Condessa de Ségur maravilhosamente ilustrados. Lembro-me também da bela edição de uma história "infantil" chamada "O Negrinho do Pastoreio" e de José de Alencar. "Cobra Norato" de Raul Bopp, ricamente ilustrado, era cultuado na família. Guardo até hoje esse exemplar. Além disso, adorava ganhar de presente os almanaques de capa dura com histórias em quadrinhos e as revistas com histórias românticas e ilustradas como Grande Hotel, uma fotonovela dos anos 1950.

Posso dizer que era uma criança e jovem que gostava de ler e, certamente, fiquei marcada por esses autores. Ao lado desses livros, os musicais americanos da época como "O mágico de Oz", "Cantando na chuva" e outros do gênero, de alguma forma, todos, em determinados momentos, modelaram minhas emoções, sentimentos, atitude e valores. Então, acredito que as leituras influenciam a visão de mundo e as escolhas que fazemos na vida, até de forma inconsciente.

As leituras, ao lado das experiências, da própria história e do lugar social ocupado por cada um, constituem o pano de fundo para que se venha a ser o que se é. Ou seja, na construção de uma identidade própria, portanto, ler tem um potencial formativo e transformador na medida de cada um e do ponto de vista de cada pessoa. A meu ver o ato de ler é diferenciado e o mesmo texto pode ser interpretado de variadas maneiras pelos diversos leitores. O livro existe através do leitor. É o leitor que empresta significado ao livro. Que seria do autor sem o leitor?

Da vivência escolar no Instituto de Educação dos chamados Anos Dourados ficou o contato com os poetas brasileiros: Gonçalves Dias, Castro Alves, Casimiro de Abreu, Olavo Bilac. Só mais tarde fui apresentada a Drummond, Manuel Bandeira, Vinicius...

Hoje em dia sou uma grande leitora de romances e de antropologia.

As leituras de Antropologia mudaram a minha vida de tal forma que fiz um doutorado em Antropologia Social no Museu Nacional /UFRJ e abri na PUC-Rio uma área de Antropologia e Educação nos finais dos anos de 1980. Neste sentido, o ato de ler Antropologia transformou a minha existência, deu um outro sentido e outro significado ao meu trajeto existencial e profissional. Reinventei minha sensibilidade, minha visão de mundo, representações e práticas cotidianas.

Na minha vida de leitora, destaco três personalidades femininas: Maria João, de "Quatro Raparigas", Justine, que dá nome ao primeiro volume do "Quarteto de Alexandria"  de Lawrence  Durrell  e Emma de "Madame Bovary", de Gustave  Flaubert.

Fica de Flaubert a frase "Eu sou Emma Bovary..." para ser interpretada por cada leitor de acordo com sua história.

Hoje em dia escrevo artigos e tenho várias pesquisas publicadas sobre o  do ato de ler, que poderiam ser nomeadas como pesquisas etnográficas sobre representações e práticas de leitura em diferentes universos sociais.
Tania Dauster é professora da PUC - RJ

domingo, 22 de março de 2015

“A leitura pode influenciar as escolhas e visões da realidade” Leo Gandelman - Músico



             Na escola primária, quando as aulas de português exigiam a leitura de livros selecionados, eu li “Meninos da Rua Paulo” e “ Meu pé de Laranja lima” e ficaram marcados.
Ainda quando criança, adorava ler também os livros do Tintim e do Asterix.
Por volta dos 13 anos, me lembro do livro “ A Terceira Visão “, de Lobsang Rampa , Sidarta e outros nesse caminho.

Monteiro Lobato, George Orwell, Julio Verne ...são autores que fizeram parte do meu mundo de leitor.
As conversas sobre livros com colegas na escola sempre foram influências. A leitura cria reflexões e abre novas perspectivas, inspirações !
A leitura pode influenciar as escolhas e visões da realidade. Basta um pouco de criatividade e sensibilidade para se deixar levar para novas formas de ver e pensar o mundo.
Com certeza, vários livros influenciaram o comportamento e direcionaram as escolhas de gerações. Os livros refletem e apresentam o pensamento de uma época.
Livros com fundamento puramente comercial, com conteúdo sensacionalista, vazio e especulativo são mera perda de tempo.
Gosto muito de biografia, é o meu gênero de texto predileto. A biografia de John Coltrane, com certeza, além da sua música, inspirou toda uma geração de artistas.
Ler textos inteligentes contribui para aumentar o conhecimento do passado, a percepção da realidade e cria novas perspectivas para o futuro.


quinta-feira, 12 de março de 2015

A leitura começa quando termino o livro


 

Carlos Fernando Gomes Galvão de Queirós

Professor de Geografia

 

 Minhas primeiras lembranças de leitura são alguns livros da coleção “Tesouros da Juventude”, que meu pai tinha em casa, por volta... talvez... dos... 10 anos. Depois disso, e dos gibis, que sempre gostei, o livro “O mistério do cinco estrelas”, de Marcos Rey, e o livro “Oitava série C”, de Odette de Barros Mott. Além disso, “Dom Casmurro”, de Machado de Assis (é, por incrível que possa parecer, talvez, já gostava de Machado na adolescência).
Algumas histórias ficaram na minha vida, além das acima mencionadas, acrescentaria ainda as do livro “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, “O retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde, “Capitão de Longo Curso”, de Jorge Amado e “O processo”, de Franz Kafka (o qual, diga-se de passagem, estou a reler, neste momento).
 Os autores que relatei até aqui e acrescento alguns russos, como Korolenko, Lermontov, Tolstoi e Tchekhov. Isso para não mencionar Karl Marx, Jean Paul Sartre e Umberto Eco; Carl Sagan, com “Cosmos”...; Vinícius de Moraes e Millôr Fernandes.
Na minha formação como leitor, antes da escola, teve a família, absolutamente essencial, que me incentivaria a ler, independente da escola. Mas na escola, foi importante ter tido professores que perceberam que não adiantava passar para a garotada livros mais densos, que só a vivência faz gostar, passando pra gente ler livros como que mencionei “O mistério do cinco estrelas”, mais “leves” e ainda assim, acho, bem escritos.
 Nélida Piñon disse, certa vez, que escrever liberta; digo que ler, também. Ler é fazer uma viagem para dentro de si mesmo, é se conhecer, a partir das experiências dos personagens do livro, do conto, da poesia, do artigo jornalístico, não importa. Costumo dizer que a leitura começa quando termino o livro, porque aí é que vou “ruminar” o que li. Então, o meu modo de vida é diretamente influenciado pelo que leio. E sim, claro, pelo dito, a leitura influi em minhas escolhas de vida.
O ato de leitura é revolucionário
 A leitura abre os horizontes mentais e do coração e isso faz toda diferença na orientação dos caminhos de vida das pessoas.
Gutemberg foi eleito o homem do milênio, se não me engano, e isso já diz muita coisa. Pra mim, o ato de leitura é revolucionário porque altera, ou pode alterar, profundamente, o que sinto, o que penso, o que sou. Então, a primeira revolução é pessoal. Esta, se puder ser somada a certa tomada de consciência crítica dos cidadãos (viva Marx! – risos), pode, é claro, ser um ato socialmente transformador, na medida em que as pessoas vão se informando e, ao refletir, se (re)formando.
Penso que até mesmo bula de remédio pode ser útil (risos), mas auto-ajuda, e suas platitudes, realmente, é algo que não recomendo. E de um modo em geral, livros que preguem ideias como racismo ou autoritarismo também não recomendo.
Ler (e o cinema) é viver onde, como, quando, com quem você deseja.
 
Leio poesia, romance e astronomia. Além de filosofia e política. Gosto muito de uma passagem que diz “Menos importa o que fizeram ao Homem; mais importa o que ele faz do que fizeram dele”, Jean Paul Sartre. Ler (e o cinema) é viver onde, como, quando, com quem você deseja.
 

quarta-feira, 4 de março de 2015

O círculo mágico e meus Xamãs - Welington Machado – professor e poeta



Lembrança no sentido daquilo que, vivido, valeu e ficou e está ainda agora na memória como um bem da existência e fazendo parte do que “sou”?  Nesse sentido, minha memória guarda as primeiras histórias “lidas” através da voz de minha mãe, quando juntava a filharada na sua cama enorme e narrava as mais belas histórias do jeito que lhe ficaram na memória. Depois é que fiquei sabendo que muitas daquelas histórias estavam em livros de contos de encantamento de Andersen, dos irmãos Grimm, de Perrault, de Câmara Cascudo...  coisas desse tipo, e que minha mãe nos contava muitas vezes transformadas, bem a seu modo, muitas vezes misturadas a suas histórias pessoais, fatos de sua infância e adolescência, narrados como contos de fadas ou de terror, mas sempre de encantamento. Eu pelo menos a ouvia, completamente encantado por aquela voz, por aquelas histórias. Posso citar como exemplo uma história narrada ao modo dela, que me acompanhou por toda a infância e que ainda hoje trago na memória como um bem dos encantamentos poéticos que fazem parte do que “sou”. A história era a do Rumpelstiltskin, que ela dizia e nós repetíamos “Rumpleststequin”, e que até hoje me salta da memória e se “presenta” na voz dela. Parece-me estar ouvindo, vendo ela contar, fazendo baixar aqueles personagens, aquelas lendas.  Uma Xamã, no círculo mágico, a minha mãe.  Enfim, a minha primeira lembrança de leitura são as histórias transmitidas oralmente por minha mãe. Mais grandinho eu descobri e passei a ler aquelas histórias direto nos livros, grandes, bonitos, de capa dura, coleções inteiras de contos desse tipo, que meu pai trazia pra casa. Lia e era a voz de minha mãe que narrava aquilo pra mim, sua voz e imagem saindo direto das páginas daqueles livros. Fora desse círculo mágico que minha mãe criou pra nós, a primeira “coisa” que li e que me transformou de vez em amante-escravo da magia que os livros guardam foram os poemas de “Mensagem”, do Fernando Pessoa. Todo o livro me tomou, mas na memória sempre me vem o impacto que me causou a leitura daquele poema em que ele fala do mostrengo que, voando na noite do breu do fim do mar, vem interpelar aquele que ousou entrar em suas cavernas de tetos negros do fim do mundo. E a voz que lhe responde: “El-Rei D. João Segundo!”. Fernando Pessoa, assim, me impactou, foi o segundo Xamã a me prender em um círculo mágico. Até hoje me lembro da sensação de encantamento que o poema me causou e que me prendeu, encantado para sempre, no mundo das palavras escritas.
São muitas outras as histórias que me ficaram, que constituem um bem em minha memória, meu baú de encantamentos, o “tesouro da juventude” que me acompanha e que faz parte do que “sou”, da minha existência, da minha travessia... e que sigo alimentando, enriquecendo. Vou citar como exemplos primeiros, além das narrativas de minha mãe e do “Mensagem” do  Fernando Pessoa, as histórias do Hermann Hesse, em especial  “O jogo das contas de vidro” e “O lobo da estepe”. Julio Cortázar, outro Xamã, com seus contos e romances me tomou inteiro pra si, dentro do seu círculo mágico, e até hoje é assim. Clarice Lispector, a “bruxa fera” do encantamento, um perigo constante para os leitores, me levou primeiro para “Perto do coração selvagem”, me hipnotizou com a “A paixão segundo G.H” e “Água viva”. Depois disso, me vi preso inteiramente no círculo mágico de Clarice... ou fui eu  a levar tanto Cortazar quanto  Clarice pra dentro do círculo mágico em que já me encontrava preso... inescapável.  Machado de Assis foi outro entre meus xamãs, por tudo que li dele, mas especialmente por Dom Casmurro, que considero uma das mais bem construídas e fascinantes narrativas do mundo, ocidental ou oriental que seja. Por fim, cito o Guimarães Rosa, que tomou o lugar de “Grão Xamã”, o que passou a presidir tudo no meu círculo mágico, o meu Grivo, o Miguilim em mim.  A travessia do grande sertão se faz em todas as suas narrativas. Grande sertão: veredas, As margens da alegria, Os cimos, A terceira margem do rio, O recado do morro, A hora e vez de Augusto Matraga,  Sarapalha, Cara-de-Bronze... ah, é tudo que vem dele; tudo que forma o sertão dendagente,  uma travessia única pra quem,  com toda a boa coragem – a coragem de quem respeita o medo, sabendo que ele é parte do que nos constitui,  do que é mesmo dendagente,  parte inseparável da coragem que nos leva e da luz que nos guia – enfrenta a proposta de atravessar o Liso do Sussuarão,  de ganhar ventura na aventura de se perder para se encontrar (sempre presos no círculo mágico dos xamãs-narradores, dos nossos feiticeiros),  adultos/crianças brincando livres, com a gravidade com que brincam as crianças, no reino da palavra  em estado de arte.
A escola me faz lembrar o tempo em que devorei livros, em uma época do primário, quando a diretora teve o bom senso de criar um “tempo semanal de leitura”. A professora nos passava um catálogo, escolhíamos um livro. Ela levava pra nós e nos deixava lá quietinhos, lendo. Ficava quase toda a turma. Alguns iam pras boas brincadeiras do pátio da escola.  Lembro que os que ficávamos, mergulhávamos nos barulhos que saltavam de cada página, tendo ao fundo a algazarra boa dos colegas que brincavam no pátio ao lado. Um tempo bom aquele. Uma ilha da fantasia pra mim. Li muito Monteiro Lobato, suas narrativas do “Sítio”.  Lembro-me bem de ter lido “Os meninos da Rua Paulo”, do Molnár; “O conde de Monte Cristo”, do Dumas; e por aí eu ia. Já no antigo “ginásio”,  me lembro dos textos ou fragmentos de texto que líamos, em “leitura silenciosa”, no livro didático (lembro direitinho o livro didático que me acompanhou nas quatro séries do ginásio;  não era o mesmo, mudava a cada série, mas todos  tinham capa dura com a mesma linda foto da estátua do Machado em frente à Academia).  José de Alencar, Joaquim Manoel de Macedo, Castro Alves, Gregório de Matos Guerra (adorei desde sempre o Boca do Inferno), os primeiros contatos com Machado de Assis, e outros por aí, chegaram-me assim, em “leituras silenciosas”. Eu adorava esses momentos das aulas de Português e achava o resto chato. Lembro vivamente a vez em que li uma história do “pombo enigmático”  que dizia à pomba amada, aflita com o atraso de seu pombo amado, coisas mais ou menos assim: “A tarde era tão bonita que eu vim andando; era um crime voar, eu tinha de vir andando.”  ou “Eu tardo mas ardo. Olha que tarde!”.  Tenho bem viva na memória a primeira vez que, encantado, li essa narrativa do Paulo Mendes Campos. Círculos mágicos o “tempo semanal da leitura” e o momento da “leitura silenciosa”, na escola. Foi assim.
Eu acredito na influência das narrativas na história da humanidade. Tenho pra mim o ato primordial de contar e ouvir histórias como ato fundador do homem e do mundo. Sendo assim, acredito que, no plano individual, a leitura influi, sim,  nas escolhas, nos caminhos de cada um... para o bem e para o mal e repito:  para o bem e para o mal.  Além disso não vou. Não sei falar sobre a questão, que envolve individualidades, peculiaridades, escolhas, circunstâncias individuais...
O escritor quer tudo. O leitor quer tudo.  Cada leitor lê num mesmo livro o seu próprio livro. Agora eu pergunto: o compositor Cartola fez leituras em livros? Não sei, mas certamente ouviu contar e contou muitas histórias. A escritura e a leitura querem e podem muito. A oralidade, o ato de narrar, de compartilhar histórias nem sabe bem o que quer, mas pode muito mais.
Aqui eu lembro o Caetano e peço a licença de o parodiar (mas paroamar): O que pode no que quer esta língua?  
Leio um pouco de tudo, sem qualquer disciplina. Sou meio levado nisso. Leio o que me pega e me leva. Gênero não me pega, nunca me pegou.
Cronópio na teia da aranha

Captar e capturar. Captamos o alcançável e o capturamos. Olhamos o capturado, à distância, para ver-lhe o todo. Aproximamos a vista, focamos-lhe os detalhes. Falta-lhe alguma coisa, algo ficou de fora, algo que nas antenas de captação percebêramos, mas que na teia de captura não caiu, da rede de captura escapou. Frustramo-nos mais uma vez e outra vez recomeçamos. Mais uma vez preparar a rede; mais uma nova teia tecer.  Não há como aperfeiçoar as antenas; são as que temos. Novas tecnologias só nos serviram até aqui para replicar, repetir o mesmo, em novos materiais. Aprimorarmo-nos, refinar o uso, tudo isso talvez só nos tenha afastado mais e mais do primor, do encantamento primordial, do que está na origem das primeiras criações, do que esteve nos primeiros criadores, os únicos originais.     
Clarice e Cortázar foram os que mais se aproximaram de ser, no meu entendimento, o perfeito captor, o que capturaria a coisa mesma. Penso que uma, por ter a clareza no nome; outro por ter o corte preciso. Foram, pelo menos entre os tão poucos que li, os que me levaram perto, deixaram-me por um triz; mas algo, num átimo, escapava-me e me frustrava, achando que eles haviam chegado lá e eu, o sempre tão limitado leitor-captor, é que não conseguira acompanhá-los  ou apanhá-los. Mais uma vez recomeçava. Demorou para que eu percebesse que o que, para mim, era chegar tão perto, para eles era  ainda nem de longe sequer roçar a sombra da ponta da cauda da besta; era apenas manter-se, em remotíssima órbita, ao largo do mistério.
Aqui ficamos, eu-eles-nós-todos, no breu da ainda não-caverna no centro do nada que é tudo no caos. Origem e destinação: o que nunca saberemos é o que toma mais espaços na mente humana. Um cão apenas olha o fundo negro do céu estrelado e ladra; por vezes, uiva para a lua cheia. Não é vão o pensamento, não é vã a linguagem; vão vaníssimo é este curto espaço-tempo que nos é dado entre nascimento e morte e que, numa ânsia somente humana por eternidade, vamos preenchendo com idéias, com zilhões de palavras, acumulando-as em infinitos sítios de memória, resguardando-as em monumentais babélicas bibliotecas, numa tarefa grande demais para tão curto espaço-tempo, mas tão vã aquela quanto este.

E salve Cartola!  E viva Guimarães Rosa!


quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Tudo merece ser lido - Patrícia Kogut

“Tudo merece ser lido. Acredito na inteligência e
 no espírito crítico do leitor.”
Patrícia Kogut - Jornalista



Tenho livros que marcaram a minha infância guardados até hoje na minha estante. Um deles é "Vulcões e Terremotos", que me encantou com relatos sobre a erupção do Vesúvio Pompeia e outras tragédias afins. Outros são da Condessa de Ségur (estudei na escola francesa do Rio): "Nouveaux Contes de Fées" e " Les Malheurs de Sophie" (minha filha se chama Sofia por causa desse livro). E uma coleção de aventura e mistério, " Le Clan des Sept", de Enyd Blyton.
     
Muitos livros me marcaram e penso muito neles volta e meia. A trilogia mais importante do Philip Roth ("A Marca Humana", "Pastoral Americana" e "Casei-me com um Comunista"); "Cândido", de Voltaire. "Anna Karenina", de Tolstoi. Todos os de Amin Malouf.

Anna Karenina
A epítome da sedutora, a expressão da paixão, de uma angústia bem feminina, o retrato de uma época, e ainda assim nada datada. Uma personagem sensacional.  

O principal a gente aprende nos livros

Adoro Machado de Assis. Queria, de verdade, ter conhecido e sido amiga de Lima Barreto. Sei que a obra dele é irregular e acho isso ainda mais interessante e enternecedor. Li muitos franceses, Voltaire, Rousseau, Balzac. Me formaram.  
A escola francesa estimulava demais a leitura e eu sempre gostei muito de ler. Depois, fui para a escola brasileira e sempre me liguei aos professores de português. Adorava literatura desde cedo. Estudei Letras (não concluí). Era a minha praia desde cedo. Tive um grupo de leitura na PUC. Líamos Borges, Bioy Casares, Cortazar e muitas outras coisas.  
Acho que a leitura ajuda construir um tipo de articulação. Organiza o pensamento, aparelha a pessoa para argumentar. E para sonhar. 
A leitura traz cultura e nesse sentido abre tantos horizontes quanto uma viagem. Acho que o principal a gente aprende nos livros. Ler é muito. Alfabetiza, humaniza, forma. Recomendo muito. 



quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Monteiro lobato, Cassandra Rios, Joseph Conrad

“Willian Saroyan abriu minha percepção para a modernidade”

Caetano Veloso (compositor, escritor, cineasta...)

Lembro-me das palavras enquanto eu aprendia a ler, quanto à leitura de livros, isso veio mais tarde, lá pelos 12, 13 anos.
Minha mãe lia bastante, meu pai veio de um meio letrado, seus amigos, quando nos visitavam, mantinham conversas inteligentes...lembro-me de recitarem poemas, mas depois meu pai deixou de ser um leitor, não se preocupou em manter uma biblioteca própria, eu me lembro que tinha este desejo: ter uma biblioteca própria, com aquelas estantes repletas de livros. Santo Amaro não tinha livraria, isso é uma coisa das cidades brasileiras... lá tinha uma biblioteca pública, de onde eu pegava alguns livros, “Don Quixote” foi um deles, com aquelas ilustrações. Me lembro de aos 12, 13 anos ter lido Monteiro Lobato, e gostava muito, achava engraçado, “Chave do Tamanho” me chamou muito a atenção, lá tinha um pouco da história do mundo, Hitler, coisas de guerra, enfim...
Um pouco mais tarde, os meninos comentavam na escola sobre uns romances eróticos, não me lembro exatamente da autora, mas era uma paulista que escrevia textos eróticos, não eram revistas de sacanagem, eram romances eróticos, isso era motivo de comentário entre os rapazes da escola, vi prazer nesse tipo de leitura. O livro dela que mais me pegou foi "A lua escondida", (parece nome de filme de Mizoguchi, mas é uma história de paixão sexual entre um professor maduro e uma aluna adolescente). (O livro citado é de Cassandra Rios)

Lá pelos meus 15 anos, vi, no quarto da minha mãe, um livro que me encantou: “O jovem audaz no trapézio voador”,  de Willian Saroyan. Esse livro abriu minha percepção para a modernidade, ele tinha, pra mim, muita novidade, depois disso eu pude reconhecer, por exemplo, em João Gilberto, o que entendia sobre moderno.

Um autor de quem gosto muito e não citei é Joseph Conrad. Nem tanto pelo "Coração das trevas", que é bonito e tal, mas não me interessa tanto. Gosto mais de "Linha de sombra" e "Lord Jim". Mas o melhor mesmo, o que me faz pensar nele como um autor entre os preferidos, é "Under Western Eyes" ("Sob os olhos do Ocidente"). Aí ele faz um Dostoiévski virar profecia de que a Rússia faria uma revolução (foi escrito uns 7 anos antes do Outubro) apenas para manter a forma de poder autocrático que conhecia sob o Czar.



quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

O som: uma leitura de mundo - Mauro Senise (músico)


As palavras arfavam...ou Aro 16

Minha mãe me colocava perto do peito e lia pra mim Robinson Cruzoé. Essa leitura do afeto marcou minha infância. As aventuras de Robinson na ilha perdida no oceano me levavam mais pra perto daquele som da respiração que veio mais tarde trazer uma sensação de compassos, notas distribuídas pela vida de modo amoroso.
Mais tarde, fiquei um pouco distante da leitura, me sentia um pouco à parte de tudo, eu tinha uma estranheza, era assim na família, na escola, aliás a escola não me chamou para a leitura, tenho pouca lembrança desse exercício, mas a leitura ficou traduzida em mim como o mundo das emoções e isso foi bom. Desci muito o morro do Parque Guinle de bicicleta, corria com destreza, as mãos soltas no ar e eu em cima de um aro 16... As emoções ficaram e a leitura se foi por longos anos.
Cresci, assim como meus cabelos e intuições: eu era de outro mundo. Meu universo não tinha o enquadramento que todo o restante estava revestido. Tenho pouca ligação com a família, mas meu avô me chamou a atenção para um fato bem interessante: estávamos em Petrópolis, onde ele tinha uma casa avarandada com jardim. Certa vez, minha avó estava brincando comigo no jardim quando avistei meu avô andando a passos lentos com a cabeça inclinada para o alto, usando uma boina francesa, fiz menção de o chamar ao que fui interrompido pela minha avó: “não, menino, deixa seu avô, ele agora está pensando...”; fiquei intrigado e mais tarde entendi que ali estava um pensador, meu avô era o Alceu de Amoroso Lima, um homem altíssimo, que mais tarde veio a me dar de presente uma frase importante na minha vida.
 Até me interessei por outras coisas, o cinema, por exemplo, frequentava o Paissandu, queria entender Godard e tantos outros cineastas, tinha uns 16 anos nessa época... eu vivia uma confusão, passei a me interessar por música: os clássicos, Pixinguinha, chorinho... fui levado a escolher uma profissão: o jornalismo. Fui aluno da PUC, logo vi que não era meu caminho mesmo..., até achei interessante essa história de escrever, mas decidi estudar música. O som era a minha palavra. Já tinha passado muito tempo ouvindo o Rock’n Roll, tudo aquilo de comportamento desse movimento, não tinha tempo de ler um livro de papel, minha leitura, por muito tempo, foi sonora, a música me preencheu.

Dezembro de 1970

Essa é a data da minha primeira aula de música, eu tinha 21 anos. Foi ali que comecei a me encontrar, era ouvi um acorde e derramar uma lágrima, emoção e muito estudo. Conheci a leitura do som, a ternura, o movimento das pessoas, as alegrias alheias, os acordes eram meus personagens.  Paulo Moura me trouxe muito conhecimento, me levava para as gafieiras, me fazia ler o mundo assim, musicalmente.

Apenas uma sonata

Certa vez, em reunião familiar, fiz uma pequena apresentação de uma sonata... meus pais já estavam preocupados com meu futuro, afinal, música, sabe como é...e o emprego certo? Pois bem, minha mãe, acho que em uma tentativa de que meu avô me convencesse de seguir o jornalismo, o convidou para um almoço em família e na ocasião toquei uma sonata. Ao final, a família aplaudiu e senti que todos esperavam o comentário do Alceu. Ele meu salvou. Disse em bom som: “até que enfim um artista na família.” E aquela sonata, frases barrocas em flauta, e improvisos a serviram de presente nos seus últimos momentos de vida.

De volta aos livros

Ana, minha mulher, é leitora voraz; por causa disso, voltei, ultimamente, a rever meus livros e a buscar outros. Lembrei-me de “Confesso que Vivi”, do Pablo Neruda. É dele uma passagem que me traz à lembrança o poder da palavra enquanto memória e imagem; lembro-me dele falando sobre comida, algo como cor, odor, uma descrição tão precisa que quando estou diante de um bom cenário como aquele retorno ao que li. Vejo muitas vezes em leituras que percebo a feminilidade, a emoção, a curiosidade ... e a música vem à tona. A palavra modula, nos dá a possibilidade de mudança, é intensa, enfim, a palavra tem musicalidade.
Hoje leio muito e não obedeço a regras. Leio o que acho bom e importante. Estou em um momento de ler tudo da Marina Colasanti, genial escritora. Nélida Pinon também é fantástica! Adoro Veríssimo que começa apontando um fato pra lá de corriqueiro e termina, em pouco espaço, em um tratado filosófico. Gosto muito da acidez do Jabor. Admiro também a precisão das escolhas de José Castello, crítico de Literatura. Essas pessoas são interessantes, têm o que dizer, gosto de Rubem Fonseca, Rui Castro, de livro de memória de gente interessante.

Sabe, eu tenho uma coisa... eu digo: lê, que é isso que a gente vai guardar.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015



Marina Colasanti (escritora)
“Não leio para me distrair, leio por paixão, para saber, para aprender, para melhorar.”



Deslizei para dentro dos livros
Não tenho uma primeira lembrança, a emoção de um primeiro livro. Talvez porque sempre houve livros ao meu redor. Antes que eu soubesse ler, liam para mim. Ninguém nunca me contou contos, eles eram lidos. Desse modo, a presença física do livro está plantada no início da minha memória. E deslizei para dentro dos livros, como leitora, tão naturalmente, que nem me dei conta. O que recebi primeiro, das leituras que faziam para mim e, depois, dos primeiros livros, foram os contos de fadas clássicos.
Todas as histórias lidas fazem parte de mim
Centenas e centenas e centenas de histórias fazem parte de mim. Todas as lidas na infância e na juventude, com emoção e entrega. E mesmo depois, histórias inteiras ou fragmentos de histórias se abrigaram na minha memória, parte definitiva do meu butim de leitora. Venho lendo desde sempre, sem interrupção, há muitíssimos anos. A partir da maturidade passei a ler vários livros ao mesmo tempo. Impossível listar todas essas histórias, ou sequer as mais importantes.

Autores? Vários...
Os autores entraram por fornadas na minha vida. Fornadas de paixão, fornadas de oportunidade. Os contos de fadas, primeiro. Depois os clássicos adaptados (Ilíada, Odisseia, D. Quixote, Poe, Sir Walter Scott, os Mitos gregos, etc.). Seguiram-se os livros de capa e espada, muito Alexandre Dumas. Muitíssimos livros do italiano Emilio Salgari. Mark Twain. Todo Julio Verne. Swift. Defoe. Aí chega a adolescência. Dostoyevski foi um deslumbramento. E Tchecov, e Tolstoi. Depois descobri os americanos, Steinbeck, Hemingway, Dos Passos, Huxley, Fitzgerald. Cheguei à poesia, Aldo Palazzeschi primeiro, depois Cesare Pavese, Paul Eluard foi e é uma paixão, Bandeira e Drummond, Lorca. Encontrei o prosador francês Jean Giono, li um monte de livros dele, descobri a literatura japonesa.   E fui em frente na idade adulta, alternando de forma mezzo aleatória/ mezzo caótica, autores de diversos países, prosa e poesia, modernidade e passado. É impossível conseguir a completude dessa lista, não cabe na memória. E nunca poderia dá-la como terminada, uma vez que minha formação como leitora ainda está em curso, e se expande a cada novo livro que leio. Não leio para me distrair, leio por paixão, para saber, para aprender, para melhorar. No dia em que a leitura não estiver mais me formando, paro de ler.

Escola e leitura

Sou de outra escola, pelo menos no que diz respeito àquilo que chamávamos escola primária. Fiz o primário na Itália. E, nesse nível, a formação leitora não era tarefa da escola. Quem se encarregava disso era a família.



“A leitura não é a chave mágica para o acerto ou o sucesso.”
A leitura não é a mesma para todos os leitores. E sua atuação é diferente sobre cada leitor. Sobretudo, a leitura não é a chave mágica para o acerto ou o sucesso.
Muitos leitores leem apenas para se distrair, outros só se interessam por livros técnicos.  Isso não vai mudar seu modo de vida. A grande maioria dos livros que se publicam nada têm de enriquecedor.
A leitura de literatura, e isso é comprovado, é auxiliar poderoso no auto-conhecimento. E quem melhor se conhece está mais capacitado para fazer boas escolhas.
O efeito da leitura depende de uma conjunção: quem lê, o que lê, e como lê.
A leitura como é vista hoje em dia é fruto de um avanço progressivo e lento, movido pelas novas exigências sociais, pela chegada de novos suportes, pela necessidade – e o desejo social- de democratização da leitura.
O que recomendo?
Qualquer recomendação deve estar ligada à consciência de que cada indivíduo só pode ler, de fato, aquilo de que gosta. Por “ler de fato”, quero dizer: ler penetrando e sendo penetrado pelo texto.
Desrecomendar me parece autoritário. Eu, pessoalmente, não leio auto-ajuda, ficção histórica, livros de ação e policiais.  Mas é uma questão de interesse pessoal, de projeto leitor (sim, um bom leitor tem um projeto de leitura). Leio com mais frequência ficção , ensaio, poesia . E jornal.
Personagens marcantes
Na infância, os dos contos de fadas. E Pinóquio, que viria a  traduzir para o português. Na vida adulta, muitíssimas, entre elas, Raskolnicoff, de Crime e Castigo. Gregory Samsa, de A Metamorfose. Giovanni Drogo, de O Deserto dos Tártaros. Neles estão contidas a grandeza e a fraqueza da alma humana.

Sobre a importância do ato de ler.

 Elas estão contidas, e mais amplamente do que poderiam estar aqui, no meu livro “Fragatas Para Terras Distantes”.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Memória da Palavra é um blog que traz a trajetória de leitura de pessoas que estão no mundo letrado. Os relatos trarão experiências que nos permitirão pensar na perspectiva humanizadora que a leitura traz. Qual é a sua primeira memória de experiência com a leitura? Este projeto teve início em 2012, primeiramente, com o objetivo de virar um livro. Agora lanço este trabalho nesta versão eletrônica, a dinâmica é assim: entrevisto pessoas sobre sua experiência com a leitura, suas lembranças, o que marcou etc. e tal. Quer participar? Entre em contato...
Nesta primeira postagem, publico uma entrevista com o jornalista Sérgio Cabral que me recebeu gentilmente e que me deu a certeza de que a leitura faz o homem.

Sérgio Cabral (Jornalista)


História do Mundo Para Crianças de Monteiro Lobato, esse foi o meu primeiro livro, minha primeira memória de leitura foi essa, isso foi em 1948 exatamente, eu tinha 11 anos. Eu estava no colégio interno, um colégio que foi fundamental pra mim. Eu não vou contar minha história da infância porque tem um lado de pobreza e drama, não quero me vender com esse lado. Como diria o político Arthur da Costa e Silva: “eu me fiz por si mesmo”. Meu pai morreu muito cedo, deixou três filhos e eu fui para uma escola pública interna para crianças pobres, aqui no Rio de Janeiro, havia uns 3 ou 4 colégios assim, coisas do Getúlio, que infelizmente desapareceu.

Na escola

Nessa escola eu ficava o dia inteiro, estudava...foi fundamental pra mim essa escola, chamava-se Escola Moreira e lá tinha uma biblioteca, e esse foi o primeiro livro que eu peguei pra ler. Havia uma professora, Elza, que recomendava a leitura para seus alunos e, modéstia a parte, especialmente pra mim, afinal, em todas as turmas eu era o primeiro lugar, ou o segundo, mas sempre ali me destacando, e ela tinha um certo carinho por mim. E daí veio o fascínio de ler. Nesse período eu já escrevia. Anos mais tarde, eu já jornalista, já pai, avô, fui fazer uma palestra no Instituto Bennett e encontrei um ex-professor chamado Oswaldo de Assis Gomes, professor de Matemática, que me levou uma cópia de uma dissertação que eu fiz no colégio interno, e eu me lembro que eu tinha 9 anos quando escrevi esse texto cujo tema era: O que você quer ser quando crescer? Eu disse que queria ser Astrônomo, Radialista ou Jornalista. A Astronomia entrou porque eu achava que dava para escrever sobre esse assunto..., mas eu já queria ser jornalista; depois na adolescência, já não era bem jornalista, eu queria ser escritor, até que eu fui convencido que no Brasil ser escritor não é uma profissão porque eu não poderia sobreviver só escrevendo, a não ser que você seja um Jorge amado ou um Érico Veríssimo. Quando eu decidi ser jornalista, foi porque eu continuaria escrevendo, mas ganhando salário.



Tem um segundo livro que eu não lembro exatamente qual era, mas foi um livro que me marcou pelo tema: era algo ligado a estrada de ferro, mas não sei o título.
Eu me tornei leitor mesmo foi na adolescência. Eu morava num bairro muito pobre, Cavalcanti, subúrbio do Rio de Janeiro, meus amigos eram humildes e tinha uns que gostavam de ler. Quando nossas mãe dizem: “ande com os bons e serás um deles”, isso é verdade. Foi por influência desses amigos que comecei a tomar gosto pela leitura. Foi aí que comecei a descobrir a Literatura. Eu não parava de ler, descobri muita coisa mesmo, li muito. Nessa fase, eu não lembro exatamente qual foi o primeiro livro, mas sei que o livro que me marcou muito foi “Servidão Humana”, de Somerset Maughaum, me lembro de nomes de personagens, de passagens do livro, foi um livro que ficou e eu tinha uns 13 anos.

Lima Barreto – um autor

Mais tarde um pouco, eu estudava em uma escola que ensinava um ofício, veja só, eu sou formado em eletricista, hoje não sei trocar uma lâmpada, pois bem, mas foi nessa escola que além de aprender uma profissão, eu ganhava o equivalente a meio salário mínimo. Foi com esse dinheiro que eu comprei uma coleção de Lima Barreto. Esse foi um autor que me encantou, foi uma paixão que não abandonei até hoje.

De um tempo pra cá, eu me fixei em ler biografias e memórias, e Rio de Janeiro. Tenho uma vasta literatura sobre o Rio de Janeiro. Antes mesmo de me tornar autor de biografias eu já lia o gênero. Uma biografia que me marcou muito foi a escrita por Francisco de Assis Barbosa, escreveu sobre Lima Barreto, uma obra prima; essa seria uma biografia que eu gostaria de escrever quando crescesse. Há outras biografias muito interessantes também, como eu escrevo sobre música, meus personagens são do universo musical, teve uma que eu gostei muito que foi sobre Louis Armstrong de um americano chamado James Lincoln Collier.


Personagens Marcantes

Sem dúvida, Capitu é uma das personagens que marcaram minha vida de leitor. No livro Servidão Humana tem duas: uma Philip Carey e a outra Mildred. Tem trechos, personagens de livros que deixam rastros, por exemplo, a abertura do livro “O Ventre”, de Carlos Heitor Cony, é inesquecível. Há uma literatura sobre Rio de Janeiro que sempre leio, Machado de Assis, apesar daquele ar inglês, é carioquíssimo. Sem exagero, acho que li umas dezoito vezes o Dom Casmurro.


Ler é importante

Eu concordo inteiramente com Ziraldo que diz que ler é mais importante que estudar. Vejo isso entre os meninos que cresceram comigo; aqueles que gostavam de ler estão bem, aqueles que só tiravam nota alta não estão tão bem. Ler é fundamental.

Poesia


Eu gostaria de ter mais prazer em ler poesia. Leio poesia, mas gostaria de ler mais. Quando jovem eu pertencia ao Partido Comunista. Fui mandado para Moscou para um congresso, foi uma época boa, conheci Leningrado, enfim, conheci parte da Rússia. Na volta, eu ia para Paris e, no aeroporto, procurei um livro para ler e encontrei um livro de Nicolas Guillén, de poemas. Comprei e fui para o avião. Abri o livro e só parei em Paris. Isso me fez pensar em duas coisas: eu gosto de ler poesia e esse cara é bom, e ainda, é um poeta à prova de medo de avião, porque na época eu tinha medo de avião e não consegui parar de ler, nem percebi que estava ali dentro. Mas o melhor ainda está por vir. Cheguei a Paris, peguei um táxi e fui para um hotelzinho vagabundo lá no Quartier latin. Cheguei em frente ao hotel, paguei o táxi e avisto do outro lado da rua o Nicolas Guillén, cercado de gente; na hora não acreditei, deixei minha mala na portaria do hotel, atravessei a rua e fui falar com ele. Me apresentei, disse que era brasileiro e que tinha vindo no avião lendo o livro dele e queria uma dedicatória. Ele me perguntou de onde eu era... Ao dizer que era do Rio de Janeiro, me perguntou se eu conhecia o Vinícius de Moraes; contente, eu disse que sim, que era meu amigo, então, ele perguntou meu nome e começou a escrever a dedicatória: para o Sérgio Cabral, com um abraço para Vinícius de Moraes. Anos depois eu fui a Cuba para fazer uma palestra sobre Música Popular Brasileira e ele estava na plateia, o que me rendeu a primeira página do Jornal Granma, não por minha causa, mas porque Guillén foi assistir à palestra. Nessa ocasião, nos encontramos, conversamos, ele era um ótimo papo. Uma das coisas que ele recordou foi sua vinda ao Brasil na época do carnaval. Ficou hospedado na casa de Portinari e ao sair na rua viu um bloco e ficou encantado, nesse momento, ele repetiu com aquele sotaque o samba: “Um dia, encontrei Rosa Maria, na beira da praia...”; já em uma outra vinda ao Brasil, ele foi entrevistado por Tulio de Lemos (teatrólogo, produtor de televisão, responsável pelo grande sucesso televisivo “O Céu e o Limite”), uma grande jornalista, uma grande figura, que tinha um programa de entrevistas em São Paulo,  ao apresentar o poeta disse: hoje temos a honra de receber, a alegria de contar com a presença um grande poeta, esse extraordinário poeta cubano Aristides Guillén, pronunciei seu nome certo? Perguntou. Si, si, pero em Cuba Aristides se pronuncia Nicolás...


A não leitura – uma pequena história maldosa

Eu trabalhava no Jornal do Brasil, tinha uma página às quintas-feiras e, por isso, recebia muito disco e muito livro, e isso era um tormento porque eu deixava em cima da minha mesa e quando virava as costas, alguém roubava, ou seja, eu tinha que ter cuidado: botar na gaveta, trancar, enfim, um cuidado a mais, mas me lembro que deixei um livro de Osvaldo Orlando muito tempo na mesa e ninguém roubou. Conclui que Osvaldo era à prova de roubo.